He Will Never

Nunca fui um santo, admito. Aliás, quem nessa vida foi santo, aqueles que os nomearam assim não devem ter sabido de suas vidas íntimas, porque ninguém é santo. De qualquer forma, sob os olhares cristãos eu devo ser um pecador da pior espécie, mas realmente não ligo. Não gosto de política, futebol, nem religião.

O que mais me incomoda é que, apesar de nunca ter sido digno de pena ou qualquer coisa similar, ele não me escutava. Apenas apontava uma série de coisas que via, que ouvia, às vezes até que dizia. Eu não tinha tempo de me explicar, e quando achava ter, eis que começava tudo de novo. Eu sempre era o errado na história toda. Às vezes eu até fazia, sim, algo impróprio, mas na maioria das vezes era abordado inesperadamente, atacado por palavras sobre acontecimentos inexistentes ou pensamentos meus que não controlo, como daquela vez que sai sem vê-lo chegar. Como se tivesse feito de propósito...

Em vários momentos tive sim vontade de jogar tudo pro alto e dizer "foda-se essa porra, se você não quer conversar, vá quebrar sua cabeço berrando com a parede", mas em alguns segundos eu conseguia me acalmar e pensava "não adianta, amanhã estaremos juntos novamente e vai começar tudo de novo". Não sei o que há, mas nunca consegui me livrar dele. Não, não era por causa da beleza estonteante, o corpo escultural, a voz que me acalmava, ou qualquer outra coisa do tipo. De fato, éramos muito diferentes. Eu, um anarquista, revoltado com a sociedade e qualquer coisa que a simbolizasse, e ele um narcisista amante de tudo que eu odiava. Como nos conhecemos mesmo? Como conseguimos conversar? E principalmente, como conseguimos ficar tanto tempo juntos?

Muitas pessoas ririam e diriam "ah, é o amor", mas não tenho tanta certeza assim. Digo, eu o amo sim. Certo, é o amor. Ah que lindo, o amor! Mas, não creio que seja apenas isso. Não que eu esteja desmerecendo um sentimento tão significativo, mas é estranho falar que tudo é por causa do amor. Talvez eu esteja sendo racional demais. Talvez devesse deixar as coisas como estão, apesar de não me sentir lá tão confortável. Afinal, eu gosto de ser ouvido, principalmente quando estou certo. Então, por que raios ele gritar comigo dessa maneira não me incomoda tão profundamente quanto realmente faço parecer?